segunda-feira, 13 de junho de 2016

‘STAMOS EM PLENO MAR – O NAVIO NEGREIRO SALGUEIRENSE DE 1957

No quarto carnaval apresentado após a fundação em 1953, os Acadêmicos do Salgueiro levaram para a avenida um dos desfiles mais marcantes da escola até então. Com o enredo “Navio Negreiro”, a escola mergulhou fundo na dramaticidade exposta às últimas consequências no poema de Castro Alves e foi à luta com um grito pela liberdade.

A concepção estética do desfile ficou a cargo do artesão da Casa da Moeda, Hildebrando Moura, artista que colaborou desde o primeiro carnaval salgueirense, com o enredo “Uma Romaria à Bahia”, de 1954. 

Nesse raro registro fotográfico, publicado na edição de 6 de março de 1957 do Jornal Última Hora, podemos observar um pouco do trabalho de Hildebrando Moura, com um navio negreiro ao fundo, trazendo à frente foliões vestidos como homens escravizados. 



O samba, de autoria de Djalma Sabiá e Amado Régis, foi inspirado pela intensidade dramática da travessia do Atlântico nos tumbeiros, encontrando total correspondência com o poema original de Castro Alves. A obra salgueirense trouxe versos densos como este:

“No porão da embarcação
Com a alma em farrapos
De tantos maus tratos
Vinham para a escravidão”. 


Clique e ouça:


quinta-feira, 9 de junho de 2016

VILA ISABEL: A “DIFERENTONA” DE 1967

Uma grande expectativa marcou o período pré-carnavalesco da Unidos de Vila Isabel de 1967. Sob a direção do contraventor Miro Garcia, o “Carnaval de Ilusões” da escola do bairro de Noel Rosa foi uma espécie de abre-alas de uma tendência que anos mais tarde iria dominar a Avenida pelas mãos e pela mente de Joãosinho Trinta: os enredos imaginários, calcado nas lembranças da infância.

A fantasia da bateria, por exemplo, veio integrada à ideia e vestiu-se de Soldadinho de Chumbo, toda trabalhada em formas geométricas, num belo trabalho visual desenvolvido pelo figurinista Poty.




Numa período marcado pela predominância de temas históricos, a Vila veio diferentona e agradou: alcançou o quarto lugar, cantando o samba de Martinho da Vila e Gemeu, pondo “os seres do seu reino encantado, desfilando para o povo deslumbrado, num carnaval de ilusões”.


A escola comemorou muito – e com razão – o grande feito de ter adentrado em triunfo no quase impenetrável reino das “quatro grandes”: Mangueira, Salgueiro, Império Serrano e Portela. Aliás, a águia alcançou apenas a sexta colocação, com “Tal Dia é o Batizado”. 

Aplausos à Vila, que anos mais tarde iria revisitar os temas infantis, com Max Lopes, com o enredo “Parece que Foi Ontem...”. Mas isso é papo para outro post. 






P.S: Agradecimentos especiais ao designer Victor Brito, que deu uma repaginada no visual do Blog. Muito obrigado, nobre salgueirense. 

segunda-feira, 6 de junho de 2016

É DO(A)S CARECAS QUE ELA(E)S GOSTAM MAIS

A cabeça está nua, o rosto à mostra, o sorriso totalmente devassado. A falta de cabelo pode dar até dor de cabeça, mas pode também proporcionar um ar andrógino e ao mesmo tempo divino. Por isso, vez por outra, carecas ganham na Avenida uma roupagem artística e performática, garantindo aplausos e, em alguns casos, um sucesso arrebatador.



Vamos voltar a 1976, ano em que a Mocidade Independente de Padre Miguel apresentou o enredo “Mãe Menininha do Gantois”. Antes de cunhar a inesquecível imagem da bateria da Mocidade Independente de cabeça raspada, houve muita polêmica. O pedido para que os ritmistas desfilassem sem os cabelos partiu da própria homenageada, Mãe Menininha. E foi feito diretamente a representantes da verde e branca da Padre Miguel.

A jornalista Bárbara Pereira, autora do livro Estrela que me Faz Sonhar, explica: “os integrantes da bateria deveriam estar vestidos como ogãs dos terreiros, e, portanto, suas cabeças seriam raspadas e os cabelos, entregues para a própria Mãe Menininha, em Salvador (...). As cabeças foram raspadas, a contragosto dos ritmistas, mas o incumbido de levar os cabelos até a Bahia, Jorginho Bracinho, sofreu um acidente durante a viagem”.


Em 2001, com o enredo “Paz e Harmonia, Mocidade é Alegria”, Renato Lage decidiu revisitar Arlindo e “encarecar” de novo a bateria da escola, desta vez homenageando o líder pacifista hindu Mahatma Ghandi. Houve resistência, mas os ritmistas acabaram cedendo.

Se para o lado da rapaziada foi dureza pelar a cabeça, imagina para uma mulher. Mas foi aí que a magia se fez. Pinah, a mineira de Muriaé de 1,80m de altura e porte de totem africano, tornou-se o símbolo de beleza e personalidade ao encarar sem medo a avenida com a cabeça ornada apenas de pequenos adereços. Uma jornada que começou ainda em 1976, quando foi “descoberta” como modelo. “Em um dos seus primeiros trabalhos, posou com estamparias africanas para a artista plástica Iracy Carise, e pouco depois conheceu Luiz Carlos Ribeiro, costureiro para concursos em clubes”, conta o jornalista Aydano André Motta, no livro Maravilhosa e Soberana, sobre histórias e personalidades da Beija-Flor de Nilópolis.



Atualmente, a herdeira do espólio da beleza calva no imaginário carnavalesco é Jéssica Mara, modelo de 1,83m de altura. As performances da bela componente sobre os carros da Caprichosos de Pilares, e posteriormente, da Estácio de Sá, causaram um impacto da magnitude de um terremoto na Sapucaí. Sucesso absoluto.  



Mas impactante mesmo foi a imagem da porta-bandeira Squel Jorgea. Num ano em que Maria Bethânia foi a grande estrela do enredo campeão mangueirense, a jovem fez história ao mostrar-se com uma careca proeminente, lembrando as filhas de santo que raspam a cabeça em cerimônias religiosas. Tratava-se, na verdade, de um truque muito bem feito de maquiagem e pintura, utilizando uma touca que escondia a vasta cabeleira. Arte pura surgida da cabeça do marido e carnavalesco Leandro Vieira, que enxergou como seria notável apresentar uma porta-bandeira careca. E assim o foi.



Recurso que também havia sido utilizado por Joãosinho Trinta em 1996, no enredo “Aquarela do Brasil, Ano 2000”. Naquele ano, o carnavalesco maranhense pediu que fosse raspada (mesmo!) a cabeça da segunda porta-bandeira Simone, que representaria uma filha de santo. Houve burburinho, e a imagem, mesmo não tendo tanta força como a que a Estação Primeira cunhou neste ano de 2016, ficou eternizada.



Esses exemplos mostram que no carnaval soluções ousadas e radicais, quando bem realizadas, são sucesso garantido na Avenida. Para o bem do espetáculo, na hora do aperto, os diferentes são os maiorais. Afinal, é deles, dos destemidos, que o povo gosta mais.





sexta-feira, 3 de junho de 2016

MERCEDES BAPTISTA - A RAINHA DO LUNDU DE 1966

Belo registro: Mercedes Baptista e seu balé folclórico executam uma coreografia baseada na dança do lundu para o enredo "Amores Célebres do Brasil", de autoria de Clóvis Bornay, no desfile do Salgueiro de 1966. Apesar de a escola ter ficado apenas com a quinta colocação, não faltou graça e sobrou raça!
Salve, Mercedes Baptista!



 (Imagem: Revista O Cruzeiro, de 19 de março de 1966)

quinta-feira, 2 de junho de 2016

E O "OMMENGANG", QUEM DIRIA, VEIO PARAR NA SAPUCAÍ!

Ommengang significa na antiga língua flamenga, “passeio”, "desfile". É uma mistura de antigas tradições religiosas com cerimônias de caráter civil, que ocorre anualmente na Bélgica desde 1539. 


(Imagem disponível no site: visitflanders.com)

Em 1615, a cidade de Bruxelas, capital belga, viu um dos mais belos espetáculos desses “passeios”, em honra a arquiduquesa Isabella e ao marido, Albert. Mas o que isso tem a ver com o carnaval? Tudo! No livro de Ouro do Carnaval Brasileiro, Felipe Ferreira, professor do Programa de Pós-Gradução em Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), destaca o “fabuloso desfile de alegorias ocorrido no ano de 1615, em honra de Isabella, esposa do arquiduque da Bélgica (...). O esplendor dos carros marca o poder dos governantes e dá-nos uma ideia das paradas realizadas por toda a Europa nos dias de carnaval”.


 (Tela: The Ommenganck in Brussels on 31 May 1615; The Triumph of Archiduchesse Isabella. Victoria and Albert Museum, Londres). 


A tela do pintor flamengo Dennis Von Asloot mostra detalhes da bela festividade ocorrida naquele ano de 1615. Mas uma imagem específica nos chama a atenção. Entre diversos animais exóticos representados alegoricamente no desfile, está um unicórnio sobre o qual se apresenta uma criança fantasiada.



A referência a essa imagem ganhou a Marquês de Sapucaí no desfile do Salgueiro de 1990, no enredo “Sou Amigo do Rei”, que tratava da influência medieval no imaginário nordestino. A carnavalesca Rosa Magalhães, reconhecida por levar à avenida reproduções inspiradas em diversas manifestações artísticas, recuperou a obra de Dennis Von Asloot na abertura da apresentação salgueirense. Com todo esplendor, fez seu Ommengang na Avenida!  



E foi assim que uma referência visual do século 17 veio ganhar uma bela e inesquecível reprodução alegórica “neste reino de Xangô”. A arte que tumbou lá na Bélgica, tumbou cá no Sambódromo.

quarta-feira, 1 de junho de 2016

VIME QUE TE QUERO VIME

          Na década de 1960, ele foi introduzido no carnaval pelas mãos dos artistas integrantes da equipe de Fernando Pamplona, no Salgueiro. De lá pra cá, o vime vez por outra dá o ar da graça, proporcionando leveza e contornos elegantes às formas criadas pelos carnavalescos.

            Em honra e glória ao nobre vime, vamos relembrar alguns dos momentos mais marcantes da utilização desse material na avenida, e como alguns artistas o reinventaram em fantasias e alegorias.

1 – As burrinhas da comissão de frente do Salgueiro de 1965 são exemplo de criatividade feita em vime.



2 – Nesta bela foto da Revista O Cruzeiro de 18 de fevereiro de 1967, o vime compõe o setor dedicado a Zumbi dos Palmares, no enredo “História da Liberdade no Brasil”, de Fernando Pamplona.




3 – Depois de anos dedicados ao Salgueiro, Arlindo Rodrigues, já na Mocidade Independente, leva consigo o refinamento nas burrinhas apresentadas no enredo “A Festa do Divino”, em 1974.



 4- No enredo Candaces (Salgueiro, 2007), Renato Lage deu ao vime todo um tratamento especial para decorar a alegoria “A Glória Real da Corte Negra”.



5 – A arte em vime de Vitor Negromonte foi evocada no desfile da Acadêmicos do Cubango de 2013, “Teimosias da Imaginação”, no carnaval assinado por Severo Luzardo.



6 – Em 2015, Rosa Magalhães criou para a São Clemente um enredo em homenagem a Fernando Pamplona, trazendo em um setor as inovações no carnaval carioca que o artista introduziu no Salgueiro.



7 -  Em 2016, o vime foi trabalhado com extremo bom gosto pelo carnavalesco campeão pela Mangueira, Leandro Vieira, no enredo “Maria Bethânia – A Menina dos Olhos de Oyá”.




Portanto, ao ver uma fantasia de vime na avenida, saiba que ali está derramada uma série de saberes artesanais que tornam o carnaval mais belo. 
É arte pura!

10 MOTIVOS PARA AMAR “ACONTECEU, VIROU MANCHETE" - CABUÇU 1991


Dona de uma trajetória peculiar, marcada por um período de seguidas homenagens a personalidades, a Cabuçu não fugiu à regra em 1991, quando na segunda divisão do samba. Por isso, selecionamos para você 10 motivos para se apaixonar por essa raridade. Aperta o play e sacoleja! 


(Um salve a Daniel Marques, que postou este vídeo e outras diversas raridades em seu canal no Youtube. Visite: https://www.youtube.com/user/apoteose007). 


1 – ENREDO INUSITADO: A curiosa exaltação ao ucraniano Adolpho Bloch, por si só, merece destaque. Dono do império Manchete de comunicação, que se desintegrou nos anos 90, deixando milhares de desempregados e um passivo trabalhista estratosférico, o empresário não poderia sair dessa vida sem ser louvado pela gloriosa Unidos do Cabuçu.

2 – ABRAM ALAS QUE EU VOU PASSAR: A extinta Manchete interrompeu a transmissão do desfile das escolas de samba de São Paulo – no ano de inauguração do sambódromo do Anhembi – para levar para a todo o Brasil a homenagem ao dono da TV Manchete. 

3 – SAMBA-ENREDO: Em tom menor, o samba é bem peculiar. Tem uma passagem curiosa com aliteração (repetição de fonemas parecidos) em “Shalom, Shalom, Chagal”, em um dos três refrãos. No início do samba, os compositores sintetizam o enredo no trecho “é a Cabuçu que homenageia / O menino de Kiev na Sapucaí”. Além da métrica atropelada, quem ousaria unir Kiev e Sapucaí num mesmo verso?

4 – COMISSÃO DE FRENTE: Em dourado, representou os judeus, numa referência ao musical “Um Violinista no Telhado”, espetáculo da Broadway que virou filme nos anos 70. Uma bela solução para saudar as origens étnicas e religiosas do homenageado.

5 – FANTASIAS: Algumas traziam plaquinhas com nomes em russo. Ninguém entendia o que estava escrito. Mas... sei lá, era romântico. 

6 – ATO FALHO: Aproximadamente aos 18 minutos e 15 segundos, o terceiro carro é creditado como “BOBAGEM e riqueza”. Naturalmente seria ”BAGAGEM e riqueza”. Ato falho do operador de caracteres. 


7 – LISTA DE NOVELAS – Alas em homenagem a Kananga do Japão, Corpo Santo, Pantanal... Um carro só para Ana Raio e Zé Trovão... Tudo isso contribui para a tese de que a Cabuçu já tinha no sangue o DNA do patrocínio, antes desse expediente se alastrar pelas agremiações de forma profissional e sistemática, facilitar a vida dos financeira das agremiações e provocar o desespero dos carnavalescos.

8 – À LUZ DO DIA – A Cabuçu desfilou ao amanhecer. Época em que quem ligava a televisão nas primeiras horas do dia ainda podia assistir ao vivo a escola que estava passando na avenida (e não a reprise da primeira). Bons e saudosos tempos.



9 - FOTOS DE CAPAS DE REVISTAS MANCHETE – Uma das alegorias trouxe singelas reproduções de capas históricas da Revista Manchete, como a da eleição de Juscelino Kubitscheky e a chegada do homem à lua.

10  – EM PESSOA – Adolpho Bloch desfilou. Sim, ele foi à avenida e recebeu os aplausos do público ao lado da esposa, Ana Bentes Bloch. Pelé já foi homenageado um monte de vezes em escolas de samba e não foi a nenhum. Portanto, o placar é Bloch 1 x 0 Pelé.